José Moreira Matos ( de pé), na sala de aula da Faculdade de Medicina,
em 1963. Ao fundo, à direita, Jairo Fontes Sampaio
Publicado por Infonet - Blog Lúcio Prado - 19/10/2012
Tributo a José Moreira Matos
Faleceu no mês passado na cidade do Rio de Janeiro, onde
residia, José Moreira Matos. Ao lado de Jairo Fontes Sampaio, Moreira foi peça i mportante para a fundação da Faculdade de Medicina de
Sergipe, que teve em Antonio Garcia a liderança maior. Como estudantes
secundaristas, deram grande contribuição para que a escola se tornasse uma
realidade, atuando como líderes e facilitadores nos vários processos
burocráticos necessários para a organização da faculdade.
Apesar da destacada
atuação, eles não foram aprovados no primeiro vestibular, não lhes cabendo
portanto a primazia de pertencer à primeira turma. Porém isso não foi o fato
mais triste.
Aprovados no ano
seguinte, em 1962, não conseguiram fazer o curso em Aracaju, por razões
diferentes. Jairo, funcionário da LBA, foi transferido para o Rio de Janeiro e
lá concluiu o seu curso, especializando-se em anestesiologia, atuando e
residindo em Niterói ainda hoje.
José Moreira de
Matos, infelizmente, teve menor sorte. Escriturário do IPASE - Instituto de
Previdência e Assistência aos Servidores da União em Sergipe, era um
tradicional militante do Partido Comunista Brasileiro – PCB - e com o golpe de
1964 passou a ser perseguido pela ditadura militar, vindo a perder o emprego,
trancar a matrícula na faculdade e em determinado momento, cair na
clandestinidade.
Para Eduardo
Antonio Conde Garcia, ex-reitor da UFS e membro da Academia Sergipana de
Medicina, em Antonio Garcia Filho e a Faculdade de Medicina de Sergipe –
Criador e Criatura ( Sercore Artes Gráficas, Aracaju, 2008), “...por conta de
tais atropelos, (Moreira) não concluiu o curso médico. Quando a ordem
democrática foi restaurada, ele foi trabalhar como laboratorista em um hospital
na cidade do Rio do Janeiro, onde já se encontrava naquele momento”.
O trabalho dos dois
estudantes foi tão importante que seus nomes foram gravados na placa de bronze
comemorativa da inauguração da Faculdade, em 1961, e que se encontra ainda hoje
na sala da diretoria da entidade, localizada no Campus da Saúde da UFS em
Aracaju.
Consolidado o golpe
de 1964, Moreira teve que sair às pressas de Aracaju e, tendo como companheiro
de fuga o antigo funcionário da Petrobrás Milton Coelho, permaneceu clandestino
por quase uma semana em um sítio de propriedade do ferroviário Mané de
Chimbinha, casado com Petrina, irmã de Moreira, no povoado Portinhos, município
de Socorro, Sergipe.
Conta Milton
Coelho, em depoimento emocionado que me chegou ao conhecimento através do
confrade Fedro Portugal: “ Chegamos depois de longa e penosa caminhada noturna
saindo do bairro Industrial, percorrendo locais e itinerário desconhecidos por
nós dois. Para tentar descobrir o caminho em direção ao povoado Portinhos,
Moreira batia palmas em frente às moradias fechadas e pela prática de morador
do interior, tinha que falar o prefixo, como diria Luiz Gonzaga, "sou de
paz, por onde devo seguir para o povoado Portinhos” ? E os moradores, sem abrir
a porta, orientavam para seguirmos em frente e dobrar ali... Depois do
cansativo percurso, chegamos finalmente ao sítio de Mané de Chimbinha”.
Moreira e Milton
pretendiam ficar nesse local até conseguir um transporte seguro para outro
estado da federação. Antes que completasse uma semana no esconderijo, eles
foram surpreendidos por um destacamento formado pelos sargentos do exército
Manoel Messias Siqueira e Williams de Oliveira Menezes, lotados na antiga 19a
CSM. No momento da abordagem, Moreira não estava com Milton, que foi detido e
levado para Aracaju.
Segundo relato de Milton, os militares imaginavam que seu
companheiro naquele momento era o destacado líder comunista Agonalto Pacheco, à
época muito procurado e que foi identificado erroneamente numa fotografia por
moradores da região. De fato, Moreira e Agonalto eram fisicamente parecidos,
ambos altos, magros, morenos e com bigode.
O curioso ainda na
história é que o sargento William era estudante da primeira turma da nossa
Faculdade de Medicina, a mesma que Moreira cursava e portanto se conheciam bem.
Enquanto o sargento Manoel Messias, acompanhado do cabo Pedro, tentava
localizar o subversivo fugitivo, William ficou na guarda de Milton e então este
lhe falou, sabendo que os dois eram colegas de faculdade, que Agonalto era, na
verdade, Moreira, tentando obter daquele uma facilidade qualquer para proteger
o companheiro.
As buscas pelo suposto
Agonalto foram suspensas. Segundo Milton, Moreira ficou escondido entre os
arbustos do mangue, mas todos os seus documentos foram recolhidos pelos
militares, sendo desfeito assim o engano. Na mesma noite, ele retornou em
caminhada para Aracaju, ficando escondido na casa de uma irmã. De lá, foi para
Nossa Senhora da Glória e, um ano após, transferiu-se definitivamente para o
Rio de Janeiro, ficando na clandestinidade sob a proteção do aparelho
comunista; com a redemocratização do país, trabalhou na Caixa Econômica e na
Secretaria de Estado da Saúde, como laboratorista, não conseguindo concluir o
tão almejado curso de Medicina.
O sargento Williams
concluiu o curso de medicina em 1966, exercendo a urologia como especialidade,
tendo no exército se reformado, posteriormente, na patente de coronel. Morreu
de câncer em 2005.
Na noite da nossa
narrativa, Milton Coelho chegou na 19ª CSM, em Aracaju, escoltado pelos
militares, quando passou por interrogatório, sendo liberado na madrugada,
ficando marcada assim na história a primeira prisão do militante pela ditadura
de 1964. Outras vieram em seguida, com maiores e mais graves consequências...
Texto e foto reproduzidos do site: infonet.com.br/lucioprado
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