Publicado pelo Portal Infonet - Blog Odilon Cabral -
11/11/2010
Simplesmente; Zamor.
E Zamor, para mim, homem do povo, enquanto “voz do povo e
voz de Deus”, conquistou o próprio céu, apossando-se da imortalidade, como
feito próprio, e exclusivo mérito.
Nascida em 10 de março de 1906, faleceu esta semana a
Professora Áurea (Zamor) de Melo. Findou uma existência plena, 103 anos,
exemplo de virtude, dedicação e carinho à causa da educação em Sergipe.
O tempo, que tudo erode, rói e desbasta, parecia ter parado
para a Professora Zamor.
Parecia que nada a desfigurava, enquanto mulher frágil,
franzina, miúda, imutável pelos dias, anos e décadas. O rosto era o mesmo, o
corpo também, a agilidade sutil do pensamento; inalterável.
Aos que não vêem o essencial, o importante, Zamor desde
jovem, se é que a posso ver assim, cinquenta anos passados, parecia uma espécie
de espiga mirrada, que se faria despercebida, não fosse o seu talento, a sua
capacidade de servir e trabalhar, o seu caráter firme e o seu despretensioso
agir e amar.
Ninguém poderá vê-la diferente, em passos largos e firmes,
abraçada inseparavelmente a sua pasta de anotações e estudos, uma pasta presa
sob um dos braços que sobressaia o seu caminhar único, inimitável na minha
memória.
Um andar peregrino que, em ritmado acompanhamento da marcha,
exibia uma oscilação transversal do tronco, amorável, conciliador, aconchegante
no seu jeito simples, de ser Zamor, simplesmente.
Porque Áurea Melo não fora importante em honras e poder, mas
adquirira o poder de se fazer apaixonar e se fazer bem querida e muito honrada
como Zamor, corruptela do apelido familiar de “Meus Amor”.
Zamor que virou nome de escola; duas, é o que me parece, uma
Municipal de Aracaju e outra Estadual, homenageada por seus alunos, enquanto
mandatários de Sergipe e de sua cidade Capital.
Zamor, filha de um negociante do Aquidabã, Felício Dias Melo
e de uma professora, Maria do São José de Melo, colho-o no trabalho momentoso
de Osmário Santos, perpetuando a nossa sergipanidade, Zamor que fora uma das
seis irmãs professoras entre nove filhas de sua mãe professora.
Zamor que não foi minha professora como o fora Normélia
Melo, sua irmã, minha inesquecível mestra de Matemática e Geografia no Colégio
Jackson de Figueiredo, ginásio do casal Benedito e Judite Oliveira.
Zamor que me argüira português no Exame de Admissão ao
Ginásio daquele colégio. E que ficara na minha memória pela dicção precisa
tornando fácil o ditado para aqueles meninos de dez, onze anos, saídos dos
Cursos Primários, como eu que provinha do Colégio Brasília das Professoras
Helena Barreto, Alaíde e Lourdinha Oliveira.
Zamor, repito, ditando compassada e claramente o tema
sorteado; “O meu cofre.” Escuto-a, ainda, em eco reverberante na minha alma, a
sua preocupação com a pronúncia das vogais, sem ensejar dúvidas em grafias e
ortografias: ‘Ô meu côfre. Como era bónito ô meu côfre!’
Coisas simples que permanecem nos alunos como uma benfazeja
passagem dos mestres pela vida. Saudade que plenifica o nosso ser e nos
acrescenta em felicidade na caminhada do existir. Mensagem bem semeada e
frutificada, que por si somente dessedenta nossas carências infinitas de
imortalidade, afinal tudo é mortal, finito, limitado, na natureza, só a espécie
pode gozar de uma permanência maior, e relativa, no existir.
E nessa existência única, Zamor ao lado da docência em
História e Português, também fora Contadora - Guarda-Livros, atuando em
diversos órgãos da administração pública municipal e estadual, servindo com
eficiência, correção e zelo, como sói os servidores públicos deveriam ser por
missão e sacerdócio.
Mas, a despeito de seus vários misteres, como mestra,
administradora pública e líder sindical dos professores, a Professora Zamor era
também uma mulher cosmopolita, universal, aberta às idéias, apreciadora da
paisagem próxima e longínqua; uma pesquisadora notável em antropologia e
humanidades. Era uma peregrina, mundo afora, uma espécie de Marco Pólo,
conhecendo os continentes e os quadrantes do mundo. Alguém que conferia
pessoalmente a realidade do Atlas, em meridianos e azimutes, em olhar sempre
ávido de novas descobertas.
Descobertas que não amainava o telúrico amor a sua terra e
as angústias de seu povo, idealizando e pondo em prática uma escola para
lavadores de automóveis, entre tantas dedicações à gente humilde, gente que
nunca fora esquecida pela mestra pequenina, a professora Zamor.
Mas, a despeito de tudo isso que por si só já satisfaria a
perspectiva existencialista e materialista, da vida e do ser, satisfação
surgida também pela compensação e extensão da espécie humana em maior
longevidade, - cento e três anos de vida é um fato notável! - na fugacidade dos
apressamentos racionais, que recusam e afastam o transcendente pouco coerente,
tão assintótico quanto próximo ao irracional, aos homens e mulheres como Zamor,
fica-lhes concedida a imortalidade que não é dom, mas se obtém por conquista.
E Zamor, para mim, homem do povo, enquanto “voz do povo e
voz de Deus”, conquistou o próprio céu, apossando-se da imortalidade, como
feito próprio, e exclusivo mérito.
Um valor doado pelo próprio Deus, já em vida, só a aqueles
seus muito amados.
E quando estivermos olhando o céu no azul gasoso das massas
atmosféricas em resposta à luz, lembremos que para além deste céu há uma nova
santa, pequenina como Santa Terezinha do Menino Jesus. É Zamor que de lá está
rezando e nos protegendo, todos seus amigos, alunos, admiradores que aqui
restamos nos nossos caminhos duvidosos, hoje infelizes por sua partida.
Texto reproduzido do site: infonet.com.br/odilonmachado
Foto reproduzida do site: educar-se.com
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