Publicado pela Infonet - Blog Luíz A. Barreto - 03/09/2004.
Epifânio Dória.
Mais do que organizar instituições de cultura – Biblioteca
Pública, Arquivo Público, Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, Arquivo
da Maçonaria - catalogando acervos, documentar a vida sergipana, defender o
porte gratuito para a circulação nacional de livros, revistas e jornais,
Epifânio Dória tinha a noção exata do papel das bibliotecas nas sociedades.
como sabia fazer a crítica, com textos claros: “Com pesar, entretanto, venho
notando que os homens de Governo, em geral, relegam as bibliotecas a um plano
muito secundário, como se elas não desempenhassem o papel relevante que
desempenham na obra da civilização.” A constatação, feita há quase 90 anos (em
1915) guarda a triste atualidade e pode ser novamente citada, para fixar, no
tempo, o descaso e seus múltiplos e perniciosos efeitos.
As civilizações ágrafes têm na memória a base de suas
culturas. Há uma partilha universalizada, como coubesse a cada um membro
comunitário um quinhão de conhecimento e de sabedoria. As sociedades letradas,
ao contrário, são seletivas, fazendo dos mais diferentes suportes – livros,
revistas, jornais, outras publicações – o lastro comum, ao qual todos devem
acorrer, na luta da aprendizagem. Considerando as altas taxas de analfabetismo,
e os baixos índices de leituras, não surpreende que a ignorância campeie solta,
renegando ao esquecimento parte da vida construída no cotidiano das pessoas e
dos grupos sociais.
Mesmo tendo vivido longamente, 92 anos (nasceu em 1884,
morreu em 1976), e ocupado posições destacadas como jornalista, pesquisador, e
especialmente documentarista, Epifânio Dória não tem seus méritos exaltados e
sequer é bem lembrado pelos sergipanos. Suas colunas de Efemérides Sergipanas,
ajudando a construir biografias com informações preciosas, selecionadas por uma
pesquisa cuidadosa, amarelaram nas páginas dos jornais, ou se perderam com
eles, inapelavelmente. Seus Catálogos, organizados em cada uma das instituições
a que serviu, foi abandonado, sem que houvesse melhoria na localização dos
textos para a pesquisa. Seu zelo pelo levantamento de dados pessoais de vultos
sergipanos, residentes no Estado ou fora dele, não fez escola, não deixou
discípulos, ainda que fosse um dos mais eficazes meios de guardar memória.
Epifânio Dória não é exemplo único na galeria dos
esquecidos. Clodomir Silva, que viveu apenas 40 anos, mas que foi professor,
folclorista, jornalista e político, autor do monumental Álbum de Sergipe, que
nem tem seu nome, e de Minha Gente, recentemente reeditado pela Funcaju, é
outro injustiçado. Nem os professores e alunos do velho Atheneu, onde ele fez
brilhar a sua inteligência, sabem dele. É comprida a lista dos intelectuais que
mesmo deixando obras importantes, não são lembrados hoje. Nomes como os de
Carvalho Neto, Manoel dos Passos de Oliveira Teles, Florentino Menezes, Prado
Sampaio, Elias Montalvão, Carvalho Lima Júnior, Magalhães Carneiro, Ávila Lima,
Costa filho, Freire Ribeiro, Artur Fortes, estão mergulhados, com tantos
outros, nas brumas do esquecimento. O desmemoriamento das populações não tem
medida, como se pode observar nos resultados de uma enquete, feita pelo Portal
InfoNet, a respeito de Epifânio Dória.
A InfoNet perguntou qual era a profissão de Epifânio Dória e
sugeriu a múltipla escolha: Advogado, Engenheiro, Médico, Documentarista. O
resultado foi o seguinte: Advogado – 40,96%, Engenheiro – 28,92%, Médico –
13,25% e Documentarista – 16,87%. Ou seja, 83,13% desconhecem a formação
profissional do velho bibliófilo, apenas 16,87% souberam responder qual era a
verdadeira profissão de Epifânio Dória.
O resultado encerra um eloquente exemplo de desconhecimento
cultural. Afinal, Epifânio Dória morreu há menos de 30 anos, depois de exercer
enorme presença na vida sergipana, e de ter seu nome fixado na fachada da
Biblioteca Pública, com PH e tudo, que é uma casa bem frequentada pelas
gerações de estudantes. A despretensiosa enquete da InfoNet termina por
preocupar ainda mais os que se esforçam, por todos os modos, para adornar
Sergipe com a arte e a cultura dos seus filhos.
Em Sergipe algumas entidades culturais mantém vivos nomes
consagrados da literatura, da história, da cultura em geral. São exemplos o
Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, fundado em 1912, a Academia
Sergipana de Letras, fundada em 1929, que se mantém vivas, driblando todas as
dificuldades. As escolas, das diversas redes, tratam muito pouco das coisas
locais, ainda que existam duas disciplinas – Sociedade e Cultura, para o Ensino
Fundamental, e Cultura Sergipana, para o Nível Médio – como veículos de
circulação de conhecimento sergipano.
A Universidade Federal de Sergipe tem, atualmente, muita
gente pesquisando e escrevendo monografias, dissertações, teses, livros com
temática ambientada no cenário sergipano. As outras ainda não galgaram a mesma
posição da UFS, tendo o local como um acessório. Falta, ainda, um Guia de
Fontes, para orientar os estudos e incorporar a bibliografia produzida ao longo
do tempo.
É claro que o quadro já foi pior. Houve tempo que poucos
ousavam falar em literatura, em arte e em cultura sergipana. Os olhos, os
ouvidos e os aplausos estavam fixos na cultura importada, fosse de onde fosse,
enfeitada como gênero de primeira necessidade e de inquestionável qualidade. O
tempo tem ensinado que as coisas não funcionam bem assim. Sergipe já tem
quadros intelectuais, aqui residentes, que romperam as fronteiras e levaram
seus nomes para convívios nacionais e internacionais. A máxima (ou praga) de
que Santo de casa não faz milagres não pode prosperar entre os mais jovens,
para não afetar a auto estima, essa propriedade de valorização do que é próprio,
que deve ser estimulada.
Quem vence a ignorância é a cultura, a começar pela
informação, pela ampliação do conhecimento, pela reflexão do saber. Saber da
profissão de um intelectual, como Epifânio Dória, é importante, porque ele
escolheu para exercer, uma atividade sensível, de preservar bens de cultura que
devem ser utilizados pela sociedade.
Fonte "Pesquise - Pesquisa de Sergipe/InfoNet".
institutotobiasbarreto@infonet.com.br.
Texto e foto reproduzidos do site:
infonet.com.br/luisantoniobarreto
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