Na foto, Murilo Mellins na cadeira do engraxate Caio Francisco Matos, um dos seus personagens.
Infonet - Blogs Luíz A. Barreto, em 11/12/2008
As Memórias de um Oitentão [2008]
Por Luíz Antônio Barreto.
No dia 22 de outubro Murilo Mellins fez aniversário,
completou 80 anos [2008]. Andando pelas ruas de Aracaju, desfilando os seus
cabelos brancos, o memorialista, originário do interior, filho de Mário
Mellins, que dentre outras coisas foi Intendente de Neópolis (antiga Vila Nova)
parece fazer parte da paisagem humana de um modo especial, como guardião de
velhas lembranças de ruas, festas, figuras populares, e de aspectos e fatos que
marcaram a vida provinciana da capital sergipana. Murilo Mellins tem com
Aracaju uma intimidade cumpliciada, como poucos, e ambos, o escritor e a
cidade, guardando de cada um muitos segredos.
Homem nascido em bom berço, trabalhador em várias funções no
Correio, na Prefeitura, noutros lugares, Murilo Mellins amealhou, contudo, um
outro tipo de capital, o lúdico, que gasta parte dele nas edições que faz do
seu Aracaju romântica que vi e vivi, que teve 3ª edição em 2007, graças ao
patrocínio cultural do SEBRAE, do BANESE e da UNIT. A própria evolução do
livro, com novos assuntos e muitas outras fotografias, é suficiente para
atestar o quanto o autor tem a dizer e o quanto acumula de imagens com as quais
encheu sempre as suas retinas, que a velhice não destrói.
Murilo Mellins concorre com grandes cronistas das décadas de
1940 e 1950, que mais parecem uma belle epoque retardatária na cidade de Inácio
Barbosa. Garcia Moreno e Mário Cabral, e mais recentemente Lauro Fontes, que
morreu na Bahia, neste ano de 2008, na fixação do cotidiano, de algum modo
surpreendente, de uma capital cuja qualidade mais conhecida no País é a de ser
pequena, como o Estado. O Brasil não conhece os domínios da sua própria
federação e não tem intimidade além do alcance próprio do olhar. O Brasil sabe
pouco dos brasileiros e não celebra com eles a festa da vida situada, no
contato natural e cultural que mais e mais se integram.
Sergipe também não fica longe. Muitos fatos de sua história
são deixados na masmorra do esquecimento, acondicionados em velhos papéis,
frágeis jornais, ou na memória pessoal e social dos mais velhos, onde um mundo
literário ágrafe ganha relevo, quando feita a interface com o cabedal imaterial
do velho mundo. A conquista de Sergipe, feita pelas armas dos soldados de
Cristóvão de Barros, em nome do escudo monárquico da Espanha, e que encobre a
resistência indígena, não inspira pesquisas, as lendárias minas de prata de
Itabaiana, que ouriçaram o imaginário dos europeus, não apetecem sequer a mera
curiosidade dos serranos, a presença jesuítica, carmelita, franciscana, com
seus tesouros de arquitetura, de arte e de prédicas, foi igualmente reduzida a
poucos alinhavos, as divisões do território, alocados em Freguesias, jamais
serviram de objeto de estudos esclarecedores, a evolução de cada povoação,
vilas, cidades, regiões, continuam carecendo de interpretações econômicas,
demográficas, sociais e culturais. Isto é apenas um pouco, quase nada do débito
no campo da historiografia.
Nas décadas de 1940 e 1950, que são da especialidade de Murilo
Mellins, outros fatos marcaram Aracaju, como a presença de Gilberto Freyre, em
1940, à frente de um grupo de cientistas da saúde pública e mental, ou os
torpedeamentos dos navios mercantes, pelo submarino U-507 alemão, em agosto de
1942, as lutas democráticas de 1945,o assassinato do operário Anízio Dário, em
1947, a morte, trucidado na praça Fausto Cardoso, de Lídio Paixão, o crime da
rua de Campos, que ceifou a vida de Carlos Firpo, o crime perpetrado por La
Conga, que tirou a vida do menino Carlos Werneck, o fim dos bondes, o desmonte
do Morro do Bonfim, e isto é tão somente um pedaço ínfimo de um inventário de
muitos e muitos fatos, que estão empoeirados pela falta de interesse em
estudá-los. O papel de Murilo Mellins na crônica da cidade do Aracaju é
inigualável, pela oportunidade das abordagens, variedade temática, e precisão
informativa.
Aos 80 anos, Murilo Mellins é credor de um trabalho
incansável que faz como curador de memórias aracajuanas. E, fagueiro como os
jovens, já prepara livro novo, com fatos curiosos, diferenciados, que nutriram
o noticiário dos jornais, os programas de rádio e muito especialmente ficaram
alojados nos guardados do povo. Que Murilo Mellins seja louvado como anjo da
guarda do memorialismo aracajuano e que a cidade, pelas suas elites dirigentes,
culturais, empresariais saibam ser dignas do esforço que ele empreende, em
favor de um saber simples, mas ao mesmo tempo especial, como fonte onde são
identificadas as lembranças que tanto animam a vida.
Foto e texto reproduzidos do site:
infonet.com.br/luisantoniobarreto
Postagem originária da página do Facebook/MTéSERGIPE, de 20 de fevereiro de 2014.
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