Publicado no Facebook/Fotos e Fatos da História de Propriá,
12.02.16.
Tributo a Luiz Antônio Barreto.
Por Marcos Melo*
Passados quase quatro anos de seu falecimento, ocorrido em
15 de abril de 2012, podemos constatar o enorme vazio que ausência de Luiz
Antonio Barreto vem causando às nossas letras. Escritor, compositor, ator,
historiador, sociólogo, folclorista, jornalista, produtor cultural e polemista
instigante, LAB (sigla com a qual resumia seu nome), contraditoriamente,
cresceu de importância na cultura sergipana, já que, como sói acontecer, em
Sergipe e no Brasil, a morte leva ao esquecimento, mesmo daqueles que, em vida,
contribuíram para o desenvolvimento da sociedade e da pessoa humana nas
múltiplas atividades que dão sentido à existência.
A propósito, poetava o grande Nelson Cavaquinho numa de suas
composições antológicas “quem quiser fazer por mim, que faça agora”. Nessa
mesma tecla, bate o icônico educador e self-made Jouberto Uchôa quando discursa
em homenagem a algum sergipano ilustre falecido: “homenageie em vida”, enfatiza
sempre.
Essas lúcidas e oportunas ponderações desses dois sábios,
bem atestam como é efêmera a memória nacional. Exemplarmente, o professor Uchôa
prestou decisiva e comovente homenagem a LAB ao transferir para um local
apropriado, na UNIT, todo o acervo do Instituto Tobias Barreto num momento de
grandes dificuldades de manutenção desse rico repositório da história e cultura
sergipanas. LAB estava disposto a alienar de qualquer jeito, já que nenhuma
instituição pública se dispôs a adquiri-lo. Com o final feliz, confidenciava-me
satisfeito: “Estou impressionado com Uchôa. Além de assumir o acervo,
pessoalmente foi arrumá-lo nas estantes como se fora um simples braçal.” Ora,
ora, como afirma João Augusto Gama, Uchôa é um case, um caso pra estudo. O
trabalho, seja ele qual for, nunca lhe foi estranho. Hoje, o Instituto Tobias
Barreto, obra do imortal LAB, da Academia Sergipana de Letras e da Academia
Brasileira de Filosofia, continua prestando relevantes serviços à cultura
sergipana num ambiente digno e condizente com seus objetivos, sob a supervisão
da professora Raylane Barreto, sua dedicada esposa e companheira.
Sempre que me ponho a reviver passagens da minha convivência
com LAB, me vêm à mente duas ocorrências que jamais esqueci. A primeira, quando
o conheci em pleno átrio da Matriz de Senhor dos Passos, em Maruim. Corria o
mês de maio de 1960 e a população trajada nas suas melhores vestes se
concentrava na Praça Barão de Maruim, a principal da cidade, para participar da
bênção do Santíssimo e saudar Sua Eminência Reverendíssima D. Armando Lombardi,
Núncio Apostólico, que viera a Sergipe empossar D. José Brandão de Castro,
primeiro bispo de Propriá.
Convidado do Cônego Afonso de Medeiros Chaves, um dos padres
de D. José Thomaz, então pároco de Maruim e fraternal amigo de minha família,
estava eu todo enfatiotado na minha domingueira participando da cerimônia no
meio de todas aquelas autoridades civis, militares e eclesiásticas. A cada
evento, a Euterpe Maruinense, sob a batuta do maestro Joaquim Santana, tocava
um dobrado ou um hino sacro. Lá pelas tantas, o mestre de cerimônias Wilson
Dias de Matos, o popular Alemão, parente do acadêmico José Lima de Santana, que
anos mais tarde seria prefeito da cidade, anunciou o estudante Luiz Antonio
Barreto para saudar o Núncio Apostólico, em nome do povo de Maruim, a pedido do
prefeito João da Silva Lisboa.
Compenetrado, o estudante narigudo e magricela de 17 anos
trajando a farda cáqui do Ginásio Maruinense dirigiu-se ao microfone e,
pausadamente, como se já fora o profissional da palavra que viria a ser, soltou
o verbo. Discurso de improviso denso e pleno de conteúdo sobre a formação
histórica, econômica e social da cidade e por extensão da região da Cotinguiba,
marcada pelas relações de produção da agroindústria canavieira. Encantou a
todos, especialmente a D. Lombardi, pela precocidade, fala fácil e clareza das
ideias. A vocação de LAB para a tribuna e para as Ciências Sociais estava ali
perfeitamente delineada naquele histórico discurso, dizia-lhe sempre que
rememorávamos aquela efeméride de que tanto ele se orgulhava.
Dez anos mais tarde, estava eu no aeroporto Santos Dumont,
no Rio, de mala já despachada, pronto para embarcar no Electra II, da Varig, de
volta à Aracaju. De repente aparece LAB com um pacote. Abraçamo-nos, pois há
anos não nos víamos, ele então me pediu que levasse o pacote e o entregasse a
Dr. Lourival Bonfim, seu sogro, residente na Praia 13 de Julho. E ficamos ali
batendo papo enquanto o meu embarque não acontecia. Querendo saber de suas
atividades no Rio, já que estava residindo na Cidade Maravilhosa, falou-me que
estava muito satisfeito, trabalhando no Instituto Nacional do Livro, àquela
época sob a direção do escritor Marques Rebelo, o festejado autor de A Estrela
Sobe. Disse-me de seu entrosamento com a intelectualidade carioca, citando José
Sanz, diretor do Museu da Imagem e do Som e figura de alta relevância na vida
cultural da cidade, entre outras conhecidas como seu conterrâneo lagartense
Joel Silveira, jornalista consagrado.
O fato é que, envolvido pela conversa prazerosa e cativante
de LAB, esqueci-me de ir para a sala de embarque. Quando me dei conta, já era
tarde: o avião havia decolado. Por diversas vezes, fui chamado a embarcar pelo
serviço de som, disse-me a funcionária da Varig quando fui remarcar a passagem
para o dia seguinte. Bilhete remarcado, fomos continuar a conversa no bar do
aeroporto, regada a chope. Já era noite quando nos despedimos, indo então me
arranchar no apartamento de Diogo Ramos, sobrinho do romancista Graciliano
Ramos, fraternal amigo que conheci na Faculdade de Ciências Econômicas. LAB
tinha uma conversa irresistível, capaz até de fazer alguém perder o avião; ou,
quando dirigida às mulheres, ganhá-las. Era famoso seu poder de sedução.
Ocorrência importante na sua vida, que gostava sempre de
relembrar, foi quando deixou Maruim e veio residir em Aracaju. Na Capital, em
pouco tempo, já era personagem conhecida nos meios estudantis e intelectuais.
No Colégio Tobias Barreto foi líder estudantil, militante de esquerda e agitador
cultural. Logo se entrosou com o que havia de melhor nas artes, especialmente
no teatro, aquela época sob a influência de dois dramaturgos excepcionais: os
professores João Costa e Caetano Quaranta.
João Costa, autor, ator e diretor da emblemática peça Recital
Sem Opus, de enorme sucesso nos palcos sergipanos e de outros Estados, premiada
nos festivais de teatro de João Pessoa e Rio de Janeiro, foi personagem central
no desenvolvimento das artes cênicas em Sergipe pela sua enorme cultura e
dedicação ao teatro. Ao seu lado, como atores e colaboradores, os jovens João
Augusto Gama, Chico Varella, Antonio Joaquim, Orlando Vieira que viria a ganhar
o prêmio de melhor ator coadjuvante no Festival de Cinema de Gramado pelo seu
magistral desempenho em Sargento Getúlio e LAB, autor da trilha musical de
Recital Sem Opus, de que muito se envaidecia. Também participaram como músicos
Sérgio Botto (piano), Edgar Silveira (violão e cavaquinho) e Paulo Amílcar
(bateria). Considerada o auge da dramaturgia sergipana, Recital Sem Opus está
completando este ano meio século de existência já que foi encenada pela
primeira vez no palco do Teatro Ateneu em abril de 1966.
Ainda, por essa época, o já tarimbado intelectual LAB cria a
revista Perspectiva, de grande significado cultural para as letras estaduais,
tendo como colaboradores gente do quilate de João Costa, Alberto Carvalho,
Thetis Nunes, Bonifácio Fortes, Silvério Fontes, Ariosvaldo Figueiredo, Garcia
Moreno e outros luminares da cultura sergipana. Com enorme dificuldade de
manutenção, Perspectiva teve apenas cinco ou sete edições, hoje exemplares de
colecionadores. É bem provável que somente o Instituto Histórico e Geográfico
de Sergipe e o pesquisador Jackson da Silva Lima possuam essas edições.
Perspectiva, podemos dizer, é a ancestral da atual Cumbuca, revista moderna,
bem editada, culturalmente avançada, idealizada pelo escritor e acadêmico Jorge
Carvalho na sua brilhante passagem pela empresa pública Serviços Gráficos de
Sergipe, a Segrase.
É, também, dessa época, o seu ingresso na histórica escola
de jornalismo: a Gazeta de Sergipe, vespertino criado pelo icônico Orlando
Dantas. Pode-se dizer que, na Gazeta, LAB ganhou régua e compasso, aprimorou
sua visão crítica da sociedade e dos problemas sergipanos. De colunista, em
pouco tempo se transformou em editorialista. Convém lembrar que o editorial da
Gazeta e a crônica Nossa Opinião, da rádio Cultura, eram os dois grandes
formadores de opinião naqueles anos sessenta. Ler pela manhã o editorial da
Gazeta e ouvir, às 13:00 hs, Nossa Opinião era obrigação de quem queria estar
bem informado.
Ao completar 50 anos, LAB foi homenageado pela
intelectualidade sergipana numa concorrida solenidade no auditório do Tribunal
de Justiça, quando foi saudado pelo escritor e acadêmico Manuel Cabral Machado,
que longamente falou sobre a ilustrada trajetória do homenageado. Na
oportunidade, lançou três livros um dos quais – Folclore: Um Roteiro de Alusões
– faz uma alentada exegese sobre a cultura popular no Brasil, destacando o I
Congresso Brasileiro de Folclore, realizado em 1951, no qual brilhou a figura
do grande Câmara Cascudo.
Estudioso da cultura popular, LAB era um especialista nos
embates entre mouros e cristãos que determinaram o feitio de nossas festas
populares, especialmente no Nordeste: marujada, chegança, literatura de cordel
e demais manifestações nativistas tiveram sua atenção de pesquisador e
estudioso. Nesse sentido, foi íntimo de luminares nesses misteres como Gilberto
Freire e Theo Brandão. Tinha profunda admiração pelo autor de Casa Grande e
Senzala, que considerava um de seus mestres, tendo, nos anos oitenta, exercido
a função de pesquisador da Fundação Gilberto Freire, então presidida por
Fernando Freire, seu fraternal amigo e filho do renomado sociólogo. Seus
saberes nessas áreas foram determinantes para a valorização de folguedos e de
personagens que cultivavam e detinham a memória dessas tradições populares,
como é o caso de Desidério, de Cedro de São João, exímio contador de estórias.
Deve-se a LAB a criação do Encontro Cultural de Laranjeiras exatamente com a
finalidade de debater, vivificar e fortalecer essas tradições que, no seu
entender, contam a história de um povo.
A Filosofia também foi uma vertente do conhecimento que teve
a atenção de LAB, certamente influenciada pelas leituras que fez de Tobias
Barreto, seu herói e pai espiritual. Pode-se dizer sem medo de errar que LAB
foi o maior e mais profícuo estudioso da vasta obra tobiática, adjetivo por ele
criado para enaltecer o grande sergipano, primeiro filósofo social do Brasil.
Tal dedicação o levou a pesquisar, sistematizar e editar as obras completas de
Tobias Barreto em 10 volumes, sob os auspícios da Fundação Augusto Franco da
qual foi diretor. Por conta desse fecundo trabalho, ganhou visibilidade
nacional nos sodalícios filosóficos, vindo a tomar assento na Academia
Brasileira de Filosofia, tendo como seus pares Vamireh Chacon, Miguel Reale,
Antonio Paim e outros pensadores de nomeada.
Nos anos 80, com o apoio da Confederação Nacional da
Indústria, então presidida pelo senador Albano Franco, concebeu e concretizou o
Colóquio Antero de Quental, com a finalidade de reunir filósofos brasileiros e
portugueses para debater os avanços da Filosofia no Brasil e em Portugal, com
reuniões semestrais em Aracaju e Lisboa. Ainda na direção da Fundação Augusto
Franco editou a Obra Escolhida e os poemas A Ode e o Medo e Pentáculo do Medo
do poeta órfico Santo Souza, além da citada obra de Tobias Barreto entre outros
intelectuais sergipanos.
No serviço público o poliédrico LAB foi o primeiro
Secretário de Estado da Cultura no governo Albano Franco, tendo se destacado na
estruturação da novel secretaria e no apoio aos grupos e iniciativas produtores
de cultura popular na música, no folclore, nas artes cênicas, nas artes plásticas,
nos folguedos tradicionais e nas festas religiosas. Foi, ainda, no governo
Albano Franco, Secretário de Estado da Educação e nesse cargo criou o Programa
de Qualificação de Docentes que, em convênio com Universidade Federal de
Sergipe, promoveu a especialização e titulação de milhares de professores que
não tinham o curso superior, o que proporcionou a instalação do Ensino de 2º
Grau em todos os municípios sergipanos.
Nos últimos anos LAB foi um assíduo frequentador e ativo
participante da reunião do Conselho Regional de Economia - Corecon onde se
reuniam profissionais de diversas categorias nas noites das segundas-feiras
para debater problemas estaduais, regionais e nacionais de diversos matizes,
sob a coordenação do engenheiro Luiz Eduardo Magalhães; lá se reuniam, e ainda
hoje se reúnem, agora na Sociedade Médica de Sergipe, Hamilton Maciel, Dilson
Menezes, Paulo Brandão, Nilson Lima, Manoel Vasconcelos, João Ricardo Magalhães,
Anselmo Oliveira, José Padilha, Antonio Samarone, Antonio Saracura e outros
menos assíduos como eu, mas por residir em Brasília. Atualmente nominada de
Fórum Luiz Antonio Barreto, numa homenagem e como forma de preservar a memória
deste grande sergipano, essa congregação continua ativa e discutindo temas de
relevância atual.
Podemos, enfim, afirmar que Luiz Antonio Barreto continua
vivo na memória dos sergipanos, nesse Fórum que tem o seu nome, no Instituto
Tobias Barreto, nas diversas homenagens que lhe são prestadas, a exemplo da que
fez o ano passado a Associação Sergipana de Imprensa e a Câmara de Veadores de
Aracaju pela iniciativa de seus presidentes, respectivamente Cleiber Vieira da
Silva e Vinicius Porto e, nesta última, mas não a definitiva publicação, também
patrocinada pela Associação Sergipana de Imprensa.
(*) Economista e Advogado. Presidente da Academia
Propriaense de Letras, Ciências, Artes e Desportos – APLCAD e Membro da
Academia Sergipana de Letras – ASL.
Texto e imagem reproduzidos do:
Facebook/Fotos e Fatos da História de Propriá.
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